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segunda-feira, 19 de março de 2012

Entrevista da Semana: Stéphane Hessel

Publicado originalmente em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19241

Aos 94 anos, depois de lutar na Resistência, sobreviver aos campos nazistas e escrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel publicou um livrinho de 32 páginas, "Indignem-se", que teve eco global. Em entrevista ao Página/12 ele fala sobre sua obra e critica o ultra liberalismo predador, a servidão da classe política ao sistema financeiro, a anexação da política pela tecnocracia financeira, as indústrias que destroem o planeta e a ocupação israelense da Palestina.

Eduardo Febbro - Página/12

Você foi, de alguma maneira, o homem do ano. Seu livro foi sucesso mundial e acabou se convertendo no foco do movimento planetário dos indignados. Houve, de fato, duas revoluções quase simultâneas no mundo, uma nos países árabes e a que você desencadeou em escala planetária.
Nunca previ que o livro tivesse um êxito semelhante. Ao escrevê-lo, havia pensado em meus compatriotas para dizer a eles que o modo no qual estão sendo governados propõe interrogações e que era preciso indignar-se diante dos problemas mal solucionados. Mas não esperava que o livro fosse lançado em mais de quarenta países nos quatro pontos cardeais. Mas eu não me atribuo nenhuma responsabilidade no movimento mundial dos indignados. Foi uma coincidência que o meu livro tenha aparecido no mesmo momento em que a indignação se expandia pelo mundo. Eu só convidei as pessoas a refletirem sobre o que elas acham inaceitável. Acho que a circulação tão ampla do livro se deve ao fato de que vivemos um momento muito particular da história de nossas sociedades e, em particular, desta sociedade global na qual estamos imersos há dez anos. Hoje vivemos em sociedades interdependentes, interconectadas. Isto muda a perspectiva. Os problemas aos que estamos confrontados são mundiais.
As reações que seu livro desencadeou provam que existe sempre uma pureza moral intacta na humanidade?
O que permanece intacto são os valores da democracia. Depois da Segunda Guerra Mundial resolvemos problemas fundamentais dos valores humanos. Já sabemos quais são esses valores fundamentais que devemos tratar de preservar. Mas quando isto deixa de ter vigência, quando há rupturas na forma de resolver os problemas, como ocorreu após os atentados de 11 de setembro, da guerra no Afeganistão e no Iraque e a crise econômica e financeira dos últimos quatro anos, tomamos consciência de que as coisas não podem continuar assim. Devemos nos indignar e nos comprometer para que a sociedade mundial adote um novo curso.
É chocante comprovar a indiferença da classe política ante a revolta dos indignados. Os dirigentes de Paris, Londres, Estados Unidos, em suma, ali onde estourou este movimento, se omitiram diante das reivindicações dos indignados.
– Sim, é verdade. Por enquanto se subestimou a força desta revolta e desta indignação. Os dirigentes disseram uns aos outros: isto nós já vimos antes, em Maio de 68, etc., etc. Acho que os governos se equivocaram. Mas o fato de que os cidadãos protestem pela forma em que estão sendo governados é algo muito novo e essa novidade não se deterá. Predigo que os governos se verão cada vez mais pressionados pelos protestos contra a maneira em que os Estados são governados. Os governos se empenham em manter o sistema intacto. Entretanto, o questionamento coletivo do funcionamento do sistema nunca foi tão forte como agora. Na Europa atravessamos um momento muito denso de questionamento, tal como aconteceu antes na América Latina. Eu estou muito orgulhoso pela forma como a Argentina soube superar a gravidade da crise. Isto prova que é possível atuar e que os cidadãos são capazes de mudar o curso das coisas.
Você marca com muita profundidade um dos problemas que permanecem abertos como uma ferida na consciência do mundo: o conflito israelense-palestino.
– Este conflito dura há 60 anos e ainda não se encontrou a maneira de reconciliar estes dois povos. Quando se vai à Palestina voltamos traumatizados pela forma como os israelenses maltratam seus vizinhos. A Palestina tem direito a um Estado. Mas também tem que reconhecer que, ano após ano, presenciamos como aumenta o grupo de países que estão contra o governo israelense, por sua incapacidade de encontrar uma solução. Pudemos constatar isso com a quantidade de países que apoiaram o presidente palestino Mahmud Abbas, quando pediu, diante das Nações Unidas, que a Palestina seja reconhecida como um Estado de pleno direito no seio da ONU.
Seu livro, suas entrevistas e mesmo este diálogo demonstram que, apesar do desastre, você não perdeu a esperança na aventura humana.
Não, pelo contrário. Acho que diante das gravíssimas crises que atravessamos, de repente o ser humano acorda. Isso aconteceu muitas vezes ao longo dos séculos e desejo que volte a ocorrer agora.
“Indignação” é hoje uma palavra-chave. Quando você escreveu o livro, foi essa palavra a que o guiou?
A palavra indignação surgiu como uma definição do que se pode esperar das pessoas quando abrem os olhos e vêem o inaceitável. Pode-se adormecer um ser humano, mas não matá-lo. Em nós há uma capacidade de generosidade, de ação positiva e construtiva que pode despertar quando assistimos a violação dos valores. A palavra “dignidade” figura dentro da palavra “indignidade”. A dignidade humana desperta quando é encurralada. O liberalismo bem que tentou anestesiar essas duas capacidades humanas - a dignidade e a indignação-, mas não conseguiu.


Tradução: Libório Júnior

Por Robenilton Carneiro

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